Um milénio de criação
O gráfico interactivo acima ilustra a data de criação dos 308 municípios portugueses ao longo de um milénio – entre o ano 1000 e 2000 respectivamente. Uma breve introdução ao diagrama: as barras representam décadas e os círculos séculos. É possível interagir com ambos e com o mapa (à esquerda) que permite um olhar mais exacto sobre o ano de criação de cada município português. A função PLAY inicia uma animação em que se percebe melhor como Portugal foi tomando forma ao longo das décadas. Para melhor entender alguns padrões no gráfico, procedeu-se ainda a uma breve análise dos períodos mais relevantes da história portuguesa, no que respeita à criação de cartas de foral e novos municípios.
Municípios e Forais
Os municípios (ou concelhos) portugueses são a subdivisão territorial mais consistente que o país teve ao longo dos seus 900 anos de história. Entre os municípios mais antigos de Portugal, que precedem a própria independência do país, estão Coimbra e Santarém, fundados respectivamente em 1085 e 1095. Contudo é São João da Pesqueira (distrito de Viseu) o mais antigo município português, tendo sido fundado em 1055. Muitos municípios portugueses têm origem nas cartas de foral que os reis atribuíam a certas terras e aos territórios limítrofes. Uma grande maioria permaneceu até hoje - primeiro, sujeitos a leis particulares a cada um deles, em obediência aos usos locais e à vontade régia expressa no foral da terra, e depois sujeitos a leis nacionais gerais a partir do liberalismo oitocentista.
A Carta de Foral, ou Foral, era o documento real de concessão de aforamento ou foro jurídico próprio, aos habitantes medievais de uma povoação (ou a qualquer nova localidade fundada no Império Português) que se queria libertar ou manter livre do poder senhorial ou feudal, erigindo-se em município (ou concelho), com autonomia municipal. Um foral permitia à povoação colocar-se no domínio e jurisdição exclusivas da Coroa Portuguesa, sob protecção pessoal específica concedida pelo Rei, mas sem ser incorporada no domínio patrimonial senhorial da Casa Real.
O foral concedia terras baldias para uso colectivo da comunidade, regulava impostos, portagens, taxas, multas, estabelecia direitos de protecção e obrigações militares para serviço real. As cartas régias de foral concederam-se em Portugal entre os séculos XII e XVI. As concessões de foral podiam também ser colectivas, copiando-se os forais de umas terras para as outras, como procedeu D. Manuel I.
A concessão de um foral constituiu muitas vezes uma medida de fomento, visando incentivar o povoamento em terras difíceis de desbravar e incrementar as culturas menos rendosas, como a da vinha, pela concessão, ao cultivador, de garantias de liberdade e dignidade pessoal que compensassem os seus esforços, numa época em que grande parte da população é ainda serva da gleba, ou escrava.
1100-1200
Este período é caracterizado por dois factores: a aclamação do primeiro rei de Portugal (Dom Afonso Henriques) e consequente independência do reino; e pelo reinado de seu filho D. Sancho I – O Povoador.
D. Sancho I (11 de Novembro 1154 - 26 de Março 1211), cognominado o Povoador (pelo estímulo com que apadrinhou o povoamento dos territórios do país - destacando-se nesse propósito a fundação da cidade da Guarda, em 1199, ou, numa perspectiva mais popular e sarcástica, pela quantidade de bastardos que espalhou pelo reino), foi o segundo rei de Portugal, filho de Afonso Henriques.
Sancho I dedicou muito do seu esforço governativo à organização política, administrativa e económica do seu reino. Acumulou um tesouro real e incentivou a criação de industrias, bem como a classe media de comerciantes e mercadores. Sancho I concedeu várias cartas de foral principalmente na Beira e em Trás-os-Montes: Gouveia, Covilhã, Viseu, Bragança, etc, criando assim novas cidades, e povoando áreas remotas do reino, em particular com imigrantes da Flandres e Borgonha. Durante o reinado de D. Sancho I foram criados 34 municípios.
1200-1300
Entre 1200 e 1300 são criados 88 municípios em Portugal, ou seja, quase um terço dos actuais 308, naquele que é o século mais fértil da história portuguesa. O reinado de D. Afonso III durante este período é crítico para a expansão do Reino, em particular pelo seu papel na Reconquista. Afonso III era o segundo filho do rei Afonso II e de sua mulher Urraca de Castela, e sucedeu a seu irmão Sancho II em 1248. Como segundo filho, Afonso não era suposto herdar o trono destinado a Sancho, todavia em 1246 os conflitos entre Sancho II e a Igreja tornaram-se insustentáveis e o Papa Inocêncio IV ordenou a substituição do rei pelo seu irmão Afonso (conde de Bolonha).
Com o trono seguro e a situação interna pacificada, Afonso III virou a sua atenção para os propósitos da Reconquista do Sul da Península Ibérica às comunidades muçulmanas. Durante o seu reinado, Faro foi tomada com sucesso em 1249 e o Algarve incorporado no reino de Portugal. Após esta campanha de sucesso, Afonso teve de enfrentar um conflito diplomático com Castela, que considerava que o Algarve lhe pertencia. Seguiu-se um período de guerra entre os dois países, até que, em 1267, foi assinado um tratado em Badajoz que determina a fronteira no Rio Guadiana desde a confluência do Caia até à foz, a fronteira luso-castelhana.
Em 1253, D. Afonso III divorcia-se de D. Matilde, Condessa de Bolonha, e casa com a sua segunda esposa D. Beatriz, filha de D. Afonso X de Castela. O casamento funcionou como uma aliança que pôs termo à luta entre Portugal e Castela pelo Reino do Algarve. Também resultou em mais riqueza para Portugal quando D. Beatriz, já após a morte do rei, recebe do seu pai, Afonso X, uma bela região a Este do Rio Guadiana, onde se incluíam as vilas de Moura, Serpa, Noudar, Mourão e Niebla.
1510-1519 | Os Forais Novos
O grande pico no gráfico na década de 1510 deve-se essencialmente à implementação dos Forais Novos. Em 1514 foram criados 29 municípios, claramente o ano mais produtivo neste contexto.
Por ordem de D. Manuel I e previamente por ordem do seu antecessor D. João II, iniciou-se em 1496 a recolha de todos os Forais Antigos do reino, alguns dos quais já existentes nos alvores da nacionalidade, para serem reformados e agrupados no novo enquadramento legal. Esta reforma dos Forais, terminada em 1920, foi um dos mais importantes instrumentos unificadores de carácter estatal.
Os Forais Antigos eram documentos concedidos pelos primeiros monarcas após a Reconquista Cristã, com o intuito de povoar e defender os territórios conquistados aos muçulmanos. Tratava-se de diplomas que consagravam certos direitos, privilégios e obrigações, específicos aos habitantes de uma dada comunidade, sob o ponto de vista económico, social e político. Esta prática administrativa e política, com o passar dos tempos, originou um estado fragmentário, em que cada município se regia pelas suas leis particulares, desajustadas já da sua época, sobrepondo-se o foro e privilégio dos senhorios ao direito público, o que gerava muitas arbitrariedades e constituía uma fonte inesgotável de conflitos, principalmente a partir do séc. XV.
A reforma manuelina dos forais culminou num longo processo de sucessivas queixas dos povos em cortes, contra os abusos praticados pelos alcaides e governadores dos castelos, no que respeita à aplicação da justiça (abrigar criminosos nos seus castelos, por exemplo), cobrança indevida de impostos (o mais contestado era a portagem indevida sobre a circulação dos produtos), opressões às populações (retirando-lhes cereais e gados, obrigando-as a trabalhos da exclusiva responsabilidade dos alcaides) e falsificação ou interpretação errada dos forais medievais, mormente nas questões relacionadas com a cobrança de direitos reais, em que a coroa acabava por sair prejudicada.
Num contexto de modernização do país e centralização do Estado, o monarca advoga a aplicação de leis gerais e uniformizadoras para todo o País (consignadas nas Ordenações Manuelinas). Substituir os Forais Antigos já obsoletos na linguagem (escritos em latim) e introduzir preceitos regulamentares na vida económica com a aplicação do sistema tributário foi um dos principais objectivos desta reforma de D. Manuel. Os Forais Novos pretendem ajustar os conceitos normativos à realidade político-social do séc. XV, em que a sociedade portuguesa conhece profundas transformações estruturais com a ascensão da burguesia e o comércio da Expansão Ultramarina, já muito aquém do contexto político-social da Idade Média.
1830-1839 | A Revolução Liberal
O segundo maior pico no gráfico retrata a criação de 24 municípios na década de 1830. Isto deve-se essencialmente a um período importante e por vezes esquecido da história de Portugal, a Revolução Liberal.
Durante este período estabeleceram-se os fundamentos do regime liberal, definiu-se a posição da Igreja na sociedade, a nova estrutura administrativa e a futura organização judicial que perdura até hoje. A Revolução de Setembro de 1836 originou um novo governo e uma mudança profunda na politica portuguesa, que incluiu o restabelecimento da Constituição de 1822.
A reforma da administração nacional e local viu o país ser dividido em dezassete distritos administrativos e as ilhas adjacentes em três. Os distritos eram administrados por governadores civis de nomeação régia, os municípios por administradores de concelho, escolhidos pelo Governo, com base numa lista feita por eleição directa, e as freguesias por comissários de paróquia, escolhidos pelos administradores dos concelhos.
A promulgação do novo Código Administrativo originou ainda a supressão de 466 municipios, mais de metade na altura, fazendo-os crescer em tamanho e população. Na origem desta evolução estava um grande número de pequenos municípios, muitos criados na idade média, que não possuíam autonomia financeira nem pessoas qualificadas para a sua governação.
Sources
- INE - Instituto Nacional de Estatística
http://www.ine.pt/
- ANMP - Associação Nacional de Municípios Portugueses
http://www.anmp.pt/
- Wikipedia
http://www.wikipedia.org/